sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Ao respeitável público: o circo está em crise?

“Venho acompanhando a crise nos circos há muito tempo, é uma pena ver grandes companhias e famílias inteiras em necessidades nos circos do Brasil.” Assim lamenta Xibum, palhaço há 18 anos, quando questionado sobre a crise nos circos.

Rodrigo Paixão é o nome de batismo de Xibum, aos 8 anos de idade começou sua carreira circense, atuou em diversos circos, como Circo Vostok, Circo Espacial, Beto Carreiro, Picadeiro Solidário e alguns pequenos circos.

Atualmente, a estimativa é de que haja no Brasil cerca 500 circos de pequeno, médio e grande porte, segundo a Fundação Nacional de Artes (Funarte), órgão ligado ao Ministério da Cultura, mas esse número já foi bem maior.

Para Xibum, essa diminuição se deve em primeiro lugar ao governo, que não tem uma política de apoio ao circo: “o governo não libera mais locais fixos para os circos visitarem as cidades, hoje não temos quase nenhum espaço para montagem de circos em São Paulo.”

Marlene Querubin, proprietária do circo Spacial, diz que além da falta de terrenos, faltam também incentivos de todas as instâncias do poder público: municipal, estadual e federal. “Ainda é muito pouco o investimento na base, no circo que itinera, temos que ter mais programas voltados para os circos tradicionais, pois eles que mantêm toda a cadeira produtiva em atividade.” E complementa dizendo que são necessários programas que fomentem a produção e a circulação dos circos.

Rody Jardim, que nasceu e cresceu em ambiente de circo, e atualmente trabalha no setor administrativo da Academia Brasileira de Circo, também está insatisfeito com os incentivos, “falta apoio tanto público como privado. Nosso custo é alto e complexo, não consigo professores e artistas de um dia para o outro, tudo leva tempo, e claro, dinheiro. O poder público ajuda pouco, está melhorando, mas está longe do que pode fazer para o circo, gostaria apenas que as mudanças fossem mais rápidas.”

Marco Aurélio Strapazzon, que atua no circo Moscou, diz que do governo, os circos, não ganham nada: “O circo conta apenas com uma verba: a que vem da bilheteria. Do governo, não ganhamos nada, nem um tipo de incentivo. Pagamos taxas de alvará, bombeiros, ISSQN, pedágios, ECAD, e mais uma infinita lista de impostos. Existem projetos do ministério da cultura, com verbas que giram em torno de 30 mil anuais, mas somente um pequeno grupo de circos é que tomam conhecimento disso. A maior parte é formada por grupos de teatros que se dizem circos, de pessoas fora da área, mas que ficam com quase todo o dinheiro.”

Xibum afirma que o custo de manutenção também é fator contribuinte para a diminuição dos circos, pois é muito alto. “Os salários dos artistas, manutenção de equipamentos de som, luz, lonas, cadeiras, limpeza, transportes, material gráfico, divulgação, figurinos, tudo isso encarece muito um espetáculo de circo.”

Asdrúbal Savioli, amigo da Família Garcia, que realizou o fechamento do Circo Garcia na qualidade de advogado, concorda que há a privação dos estímulos: “uma grande dificuldade experimentada pelos circos atualmente é a falta de incentivo dos governos locais quando um circo precisa montar sua estrutura. Faltam terrenos grandes e bem localizados, infra-estrutura para montagem do circo, fornecimento de água, luz e esgoto, segurança pública e desburocratização”

Há também o fator das novas concorrências, como grandes shoppings, cinemas, hipermercados completos. ”Tudo isso afasta o público do circo”, complementa Xibum.

Asdrúbal também relaciona isso à insegurança que as pessoas sentem ao irem a espetáculos instalados em locais mais improvisados: a falta de segurança deixa a população dentro de suas casas, e as faz preferir um shopping, suas praças de alimentação, cinemas e espaços de lazer para crianças, a um espetáculo de circo. Tem também a competição entre a realidade virtual da internet e o mundo real, inseguro, mais caro e fora do conforto dos lares.”

Ele elenca ainda outro problema: “além da crise econômica, o circo passa por uma fase de perseguição de ONG's contrárias a exibição de animais em espetáculos, que promovem contra o circo uma campanha de difamação internacional e nacional de forma muito cruel e desonesta.”

Animais no circo

Em 30 de junho de 2005, a Lei que proíbe o uso de animais em circos foi aprovada, apresentada 2 anos antes pelo vereador Roger Lin, a lei n°14.014 prevê multa de mil e quinhentos reais, dobrada de reincidência, com posterior cassação da licença de funcionamento aos circos que descumprirem com esta lei.

O circo que já havia perdido muito público, depois da proibição de animais perdeu ainda mais, todo dinheiro investido em animais foi perdido naquele momento, agravando a situação dos circos e afastando o público.

Para Marlene a lei não só afastou o público, como também os patrocinadores: “faliram vários circos por conta desta lei, que para mim é inconstitucional, não respeita a tradição circense. Afastou o público e o patrocinador. Ela foi arbitrária, não foram ouvidas as duas partes, não foi levada a sério pela sociedade, simplesmente foram conduzidos pelas campanhas mentirosas, pois temos vários estudos que comprovam que os animais de circo vivem mais que na própria selva.”

Asdrúbal diz que “uma lei que proíbe indiscriminadamente a exibição de animais em shows e espetáculos, é inconstitucional e de uma estupidez cabal. Tanto é que as associações de rodeio já conseguiram medida liminar coletiva que torna a lei sem eficácia, e realizaram lobby para que fosse criado Decreto Municipal nº 46.987, de 08/02/2006, que cria algumas brechas legais. A lei é um tanto quanto discriminatória já que proíbe circos de apresentar animais e permite que o Jóquei Club apresente seus cavalos treinados em corridas e movimente milhares de reais diariamente.”

Marco Aurélio acusa também as ONGs por essa proibição: “existe nesse meio a influência de ONGs poderosas, com muitos recursos, que querem os animais de circos para explorar em seus zoológicos particulares. Existem muitos casos de circos que perderam seus animais para ONGs e hoje estes animais estão em zoológicos ou cativeiros, e as ONGs cobram ingressos para visitação pública.”

Mas há quem discorde: “apesar de ser muito bonita a apresentação de animais no circo, eu sou contra. Sempre houve animais em circo, desde a época medieval, nas arenas de competições, e tudo o mais. O que acontece é que hoje, nem todo mundo tem o carinho pelos animais, e para conseguir números diferentes, maltratam, judiam dos animais, isso infelizmente me faz ser contra a presença de animais em circos”, contesta Xibum.

Junto a Xibum, há uma legião de pessoas que se dizem contra a utilização de animais em circos, no Orkut há mais de mil comunidades sobre circo e animal, sendo que a maioria esmagadora é contra, como “Lugar de Animal Não é no Circo”, recorde de participantes, com 19.873 membros, contra a que mais têm participantes a favor “Circo com animal é mais legal”, com apenas 683 pessoas

Segundo a União Brasileira dos Circos Itinerantes (UBCI), em documento enviado a câmara, o caminho democrático para resolver a situação dos animais em circos é a retomada urgente da discussão e votação do projeto original da Lei do Circo, Projeto de Lei do Senado número 397, de 2003, de autoria do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que autoriza a exibição de animais em espetáculos circenses e normatiza as condições de posse, cuidados sanitários, transportes e utilização desses animais no picadeiro, inclusive acompanhamento de veterinários e biólogos, bem como a exigência de registro junto ao IBAMA.

Ainda em documento enviado a câmara, a UBCI anexou atestados expedidos por biólogos, que comprovam a longevidade dos animais criados em circos, dentre eles o elefante, que viveria 30 anos em média na selva, tem sua longevidade aumentada para 70, quando mantido em cativeiro, e o urso pardo, que na natureza tem estimativa de 15 anos, passa para 50 se criado em cativeiro.

A crise e o circo

A princípio os circos se instalaram nas periferias das grandes cidades e era voltado para as classes populares. Marco Aurélio recorda a época em que começou sua vida circense, há 11 anos, “O circo era modesto, com dois mastros, mas eu ficava deslumbrado de poder trabalhar no local onde sempre sonhei. Lá conheci pessoas com quem tenho amizade até hoje. Foi difícil, pois me deparei com uma realidade que não passa pela cabeça de quem mora na cidade. Morava numa carreta sem a mínima condição de moradia, comia mal, enfim, vi uma realidade diferente da minha, pois tinha casa na cidade, com todos os confortos. Mas mesmo assim, continuei apaixonado pelo circo.”

Xibum diz que “os proprietários de circos, perderam um pouco a noção a função do circo, o circo é um divertimento popular, sendo assim, deveria ser voltado especialmente para o público de baixa renda, hoje o que vemos são espetáculos de circo com preços altos, e que impossibilita a ida de famílias de baixa renda ao circo, você vai ao shopping e não gasta praticamente nada, se os donos de circo fossem mais sensatos e cobrassem os ingressos mais baratos, os circos estariam sempre cheios e ganhariam na quantidade de espectadores, aumentando a visibilidade e a freqüência do circo.”

A crise financeira global pode gerar até 50 milhões de novos desempregados em 2009, de acordo com previsões divulgadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no início do ano. Num cenário como este, famílias não podem arcar com os preços dos circos atuais, que variam de 20 a 25 por pessoa, uma familia de 5 pessoas gastaria só com ingressos, 100 reais no mínimo, fora alimentação e estacionamento .

O palhaço Xibum tem um projeto chamado circo Mágico do Xibum, no qual o ingresso custará um kilo de alimento ou leite em pó, a expectativa é a de que ainda este ano, isto seja posto em prática, porém o que falta ainda são os patrocinadores e principalmente os incetivos, como o apoio da Lei Rouanet.

A Lei Rouanet, concebida em 1991, de incentivo á cultura, destina recursos a projetos culturais, através de empréstimos reembolsáveis ou cessão a fundo perdido. Mas Marlene e Xibum afirmam que a burocracia é grande ao que se diz respeito a esta lei, para Marlene há uma conspiração nesse meio, que patrocina apenas projetos de cimema, teatro e música, deixando de lado os circos.

Para Xibum “A lei Rouanet é de mentira, eu só vejo peças de teatro com atores globais, filmes da Rede Globo, e grandes espetáculos, sendo apoiados pela lei Rouanet, nunca vi pequenos circos receberem esse apoio, nem pequenos espetáculos,como pode um espetáculo milionário como o Cirque du Soleil, que faz apresentações em todo o mundo, chegar ao Brasil e conseguir o apoio da Lei Rouanet e ainda cobrar 200 reais um ingresso? Para mim a Lei Rouanet não existe.”

Rody também lamenta a atual falta de patrocinadores: “Estávamos muito próximos de um grande patrocínio para a Academia, envolvendo espetáculos e bolsas, mas devido a crise, foi suspenso, estamos em busca de uma grande empresa para terminar esse projeto. Mas se conforma e afirma que a crise está em todos os setores: “mas isso foi para todos, até no futebol os grandes clubes estão com problemas.”

Enquanto a crise não passa e os incentivos não ocorrem, o circo vai se mantendo, erguendo suas lonas com certas dificuldades e aguardando o aumento de seu respeitável público.

terça-feira, 25 de agosto de 2009